Francy Nava
2024-10-13
Fonte: Poder 360
Autora: Francy Nava
Imagem: Shutterstock
"Vivemos em um ambiente que incentiva a divisão e o ódio. A ansiedade causada pela emergência climática leva muitas pessoas a apontar o dedo contra setores produtivos e a rejeitar esforços e soluções efetivas que partem da iniciativa privada. Com isso, nossas energias se dissipam, perdemos tempo e não nos unimos para buscar juntos as soluções na Amazônia.
Há uma tendência a estigmatizar madeireiros e produtores rurais na Amazônia, como se fossem necessariamente parte do problema. Essa tendência é alimentada por preconceitos e desinformação. É claro que crimes precisam ser coibidos e castigados com toda a força da lei.
Mas, diante da catástrofe climática que se abate sobre nós, precisamos dialogar, nos conhecer melhor, e não excluir, como se fôssemos inimigos. Estamos todos no mesmo barco: o desafio de gerar prosperidade, reduzir as desigualdades no nosso país e proteger a natureza usufruindo dos seus recursos.
A história recente da ocupação da Amazônia está associada à exploração de seus recursos naturais. Há apenas 5 décadas, brasileiros de todas as partes do país migravam para a região incentivados pelo governo federal a extrair a madeira e a desmatar para a pecuária e a agricultura.
O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) fornecia lotes e os bancos emprestavam dinheiro com a condição de que a floresta fosse aberta para ser explorada. Se não produzissem e, portanto, não desmatassem, perdiam o lote.
MUDANÇA GERACIONAL
Aprendemos muito desde então. Duas gerações depois, a situação é a oposta: os órgãos federais e estaduais fiscalizam e punem a extração de madeira e o desmatamento, quando não são aprovados segundo leis ambientais bastante rigorosas, e os bancos negam empréstimos a quem não as cumpre. Como brasileiros, devemos nos orgulhar da sólida legislação que construímos ao longo dos anos e nos esforçar para que ela seja cumprida. Estamos ainda no final dessa transição e dessa intensa curva de aprendizagem. Os proprietários e empresários da Amazônia estão nessa transição. Os mais velhos viveram o período anterior, quando a extração de madeira e o desmatamento eram incentivados, as leis eram menos restritivas e sua imposição, menos eficaz.
Essas pessoas aprenderam, como todos aprendemos, e foram oferecidas a elas alternativas de geração de receitas, técnicas de manejo da madeira e integração agropecuária-floresta.
Hoje, vivemos um novo momento, em que o agronegócio na Amazônia é um mix de agricultura, pecuária, manejo de madeira e produção de crédito de carbono. O agronegócio é muito suscetível ao clima e às variações de preços no mercado. Esse mix dá segurança ao negócio.
O crédito de carbono, ao remunerar os proprietários pela conservação das florestas, possibilita e estimula o cumprimento pleno das leis ambientais, que no caso da Amazônia determinam 80% de reserva legal de floresta e permitem o desmatamento dos outros 20%, mediante licença concedida pelos órgãos ambientais..
No passado, muitos proprietários e empresários tiveram autos de infração relacionados a violações das leis ambientais e ao corte de madeira. Muitas vezes, causados por erros involuntários de cálculos de seus funcionários, ou dos próprios fiscais.
A extração da madeira, como toda atividade na Amazônia, é bastante complexa, dos pontos de vista técnico e logístico. As leis ambientais e os fiscais são inflexíveis, como têm que ser.
Não é razoável impedir de trabalhar pessoas que tiveram no passado autos de infração, mas que hoje estão quites com a Justiça, porque pagaram as multas, cumpriram termos de ajustamento de conduta ou provaram que não tinham violado as leis.
MANEJO DE MADEIRA Ser madeireiro não é crime. O manejo de madeira é uma técnica eficaz para estimular a floresta a absorver mais carbono. Ao cortar, com critério científico, a árvore mais antiga, em intervalos médios de 30 anos, abrimos espaço para o crescimento das árvores mais novas ao seu redor, que dessa forma absorvem mais carbono. Essa, juntamente com outras práticas, forma um conjunto de técnicas reconhecidas pela comunidade científica como EIR (Exploração de Impacto Reduzido).
Instituições como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) publicaram estudos que demonstram os benefícios das técnicas de impacto reduzido ao manejar a floresta:
Aumento de produtividade; Redução de custos; Estímulo à regeneração da floresta; Conservação da biodiversidade;
Outras, a exemplo do IFT (Instituto Floresta Tropical Johan Zweede), são verdadeiros centros de treinamentos para disseminar essas técnicas aos trabalhadores das madeireiras, que estiverem dispostos a atender a legislação e tornar suas reservas legais produtivas por muitos ciclos empregando a sustentabilidade
Com esse viés, muitas madeireiras se tornaram verdadeiras empresas florestais, ao adotar o manejo florestal empresarial, guiado por planos de manejo florestal aprovados pelos órgãos ambientais. Um planejamento que possibilita microcirurgias nas florestas para aproveitar a madeira com o mínimo de impacto.
Algumas dessas empresas florestais vão ainda mais longe, pois promovem ações sociais, com impactos positivos nas comunidades do entorno. Isso as qualifica à certificação de cunho socioambiental como o FSC (Forest Stewardship Council), que garante a manutenção ou melhoria dos serviços ecossistêmicos, dignidade e direito dos trabalhadores, das comunidades locais e dos povos indígenas, além de garantir a origem da madeira pelo sistema de cadeia de custódia.
O Brasil tem um dos melhores sistemas de rastreabilidade da madeira, com uma cadeia de custódia que cria um registro que vai da árvore até o produto final. Temos que reforçar o cumprimento dessa ferramenta, o DOF (Documento de Origem Florestal), que permite essa rastreabilidade, e combater as fraudes; não criminalizar a atividade.
Todo setor econômico tem suas fragilidades, sejam ambientais, trabalhistas, sanitárias, etc. Nem por isso se deve abrir mão das atividades produtivas, mas fortalecer a regulação, que no caso do meio ambiente já é bastante robusta no Brasil, e impor o cumprimento da lei.
A Lei de Concessões Florestais é resultado de uma aliança entre ambientalistas, madeireiros e fazendeiros. Nos anos 2004 e 2005, o projeto de lei estava parado no Congresso. Organizações como o Greenpeace se juntaram a entidades que representam madeireiros e produtores rurais numa carta pedindo a sua tramitação.
O então ministro do Meio Ambiente, Tasso Azevedo, criou um grupo de trabalho reunindo todos esses atores. A lei aprovada em 2006 foi resultado de concessões de ambos os lados e demonstra que a produção sustentável é a melhor forma de manter as florestas em pé. Se fomos capazes de nos unir naquele momento, por que não seríamos agora, quando enfrentamos uma emergência climática sem precedentes?
Se queremos conservar a Amazônia, temos que trabalhar com os empresários e proprietários rurais que estão na Amazônia, e eles carregam consigo a história da ocupação da região. Por meio de diligências rigorosas, podemos diferenciar os depredadores irrecuperáveis dos empresários e proprietários que estão procurando acertar.
Feita essa distinção, todo o peso da lei deve recair sobre os criminosos, enquanto damos a mão aos empreendedores responsáveis, para que exerçam o papel vital de proteger nossa natureza.
A maioria deles já se converteu a essa causa. Atacar sua reputação, impedir que eles sigam trabalhando, não ajuda a Amazônia. Ao contrário. É um incentivo para que eles desistam e voltem para as atividades predatórias do passado."